Eu moro na França. E aqui na França as pessoas tem o costume de fazer uma coisa chamada randonnée. Quando eu estudei um pouco de Francês no Brasil, a professora explicou que randonnée significava caminhar no mato. Achei ótimo.
Acontece que não é bem assim. Randonnée é fazer trilha. E é trilha pesada. Até aí, tudo bem. Acontece que eles gostam de subir e descer montanhas bem íngremes e gostam de ficar dias nisso (sem tomar banho nem nada). À parte da esfera higiênica e saudável do programa, eu tenho tido muita dificuldade, por uma simples razão: não tenho preparo físico para acompanhar os europeus nessa.
Aí surgem mil conjecturas: talvez eu seja preguiçosa demais, talvez eu tenha me alimentado erroneamente para a atividade, talvez eu tenha mais idade do que penso ter e assim por diante. Eu concordo com tudo isso. Mas lendo sobre a movimentação que tem acontecido no meu Brasil esses dias, me lembrei de alguns fatores.
Quando eu era pequena, adorava programas ao ar livre, principalmente com mais cara de aventura. Naquela época, minha mãe me levava para muitos parques, montanhas etc próximos a Belo Horizonte. A gente frequentava muito o Parque das Mangabeiras, onde passávamos o dia inteiro andando com amigos, observando insetos e fazendo pique-nique. Um dia, eu estava lá com amigas, entrei no banheiro e uma gangue entrou atrás exigindo dinheiro e nos intimidando. Conseguimos sair correndo, mas foi um sufoco. Procuramos informações e descobrimos que o parque estava sendo atacado por criminosos e que muitos dos que o frequentavam tinham sido assaltados. Paramos de frequentar.
Aí eu passei a frequentar o Minas, um clube de Belo Horizonte, que tem piscinas gostosas. E eu adoro nadar. Só que tinha um problema: Era difícil achar vaga para o carro lá. E se não pagasse adiantado o flanelinha, corria o risco de sempre: ter o carro riscado. Passamos a colocar o carro numa parte mais alta do bairro. Porque, né, para ir de ônibus, demorava duas horas. Estávamos satisfeitos, até que um dia, os moradores dessa parte (que se chama Clube dos Caçadores) decidiram fechar a rua. Sim! Eles fecharam a rua. Fizeram daquela parte um condomínio fechado de riquinhos, e mesmo perdendo na justiça o direito de fazer essa aberração, eles mantiveram fechado, como se fosse normal. Liguei pro Minas e pedi explicações. Eles não souberam se posicionar. Parecia que tinham medo ou “rabo preso” com aquele povo.
Parei de frequentar o Minas.
Mas tem tanta opção de esporte ao ar livre no Brasil, que isso nem é problema. Um belo dia fui para a Serra do Cipó com minha família. Uma maravilha da minha região. Nadei na cachoeira com meus primos, tias e até minha falecida avó. Tomei suco natural, comi melancia e caminhei pela mata. Era perfeito! Uma semana depois, eu estava com dengue. Uma dengue horrível, que quase me levou. Parei de ir para a Serra do Cipó. E pelo mesmo motivo também passei a evitar a região da Pampulha e todas as partes de Minas que tem lagos, lagoas. Dengue é a maior epidemia de Belo Horizonte, talvez comparada apenas com a leishmaniose, outra praga trazida pelo mosquito que nosso governo (e também nosso povo) não consegue deter.
E, aos poucos, fui perdendo escolhas para fazer o que amava. Mas nada é desculpa para parar de fazer esportes. Nada é. Quando a gente quer, escada do prédio vira academia. Nem discuto isso.
Neste momento, o que me ocorre é pensar que, na minha cidade, fui perdendo meu direito de ir e vir meio sem perceber. Com tanto trabalho, tanto problema, a gente nem pensa também que nossa vida vai ficando extremamente limitada. Como se fosse normal. Como se fosse normal não poder frequentar um parque por causa da delinquência do lugar, como se fosse normal um mosquito poder ganhar de toda uma população, como se fosse normal meia dúzia de milionários fecharem uma parte da cidade para eles.
Eu entendo muito bem essas manifestações que tem ocorrido no Brasil. E entendo também que ainda não tenham um discurso completamente fechado porque é tanta coisa indignante que a gente precisa sentar para saber por onde começar: Saúde? Educação? Segurança?
A gente não tem o mínimo, num Brasil que está produzindo o máximo.
E, daqui da França, eu vejo como é salutar querer mudar tudo. De forma pacífica, mas muito movimentada. Decretar um estado de sítio, porque está TUDO errado. Recomeçar. Temos que escrever e ler muito sobre o assunto. Organizar as idéias. Pensar em tudo que já vivemos e em tudo que nunca mais queremos viver. Enxergar o sistema por fora e por dentro. Se formos capazes.
Tenho a sensação de que estamos diante da maior montanha a ser vencida: a da Corrupção. E tenho a sensação de que esta é uma grande oportunidade. Me arrepio ao pensar que agora é a hora em que podemos, de fato, mudar nossas vidas.
“Nada é tão poderoso no mundo como uma ideia cuja oportunidade chegou.”
Victor Hugo
ps. não falo de corrupção me referindo a um partido específico como a mídia o faz. Recentemente perdi minha candidata num incidente infeliciano e continuo sem enxergar renovação em quem se diz merecedor de tal título.