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O amante

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Um dia se conheceram e ela pensou ter sido por acaso.

Ele apareceu na hora certa. Quando ela mais precisava de algo diferente na vida. Com aquele jeito, aquelas palavras, a paixão foi fulminante. Era tudo novo. Ela nunca tinha escutado aquelas coisas antes. Ele sabia o que ela queria. Mais do que ela mesma.

Não demorou muito, ele ganhou alguns privilégios. Eles se viam várias vezes, se deliciavam juntos. Conheceram uma vida de prazer.

Então ela soube que ele não podia se dedicar à ela exclusivamente. Ele tinha outros compromissos. Não podia falar muito sobre isso. Mas faria o impossível para agradá-la. Ele disse. Ela se assustou. Mas confiou. Ele falava o que ela queria escutar. E ali, bastavam palavras.

Com o tempo e as dificuldades, ela entendeu. Ele precisava de mais poder. Precisava que ela o seguisse, que ela o ajudasse.

Alguns dias, ele chegava sorrateiro, chorava. Dizia que tudo iria mudar. Dizia que só queria ser diferente, que só precisava de tempo. Que seu amor era o maior do mundo.

Nesses dias, para ela, era como se seu coração respirasse aliviado. Eles se amavam onde estivessem. Ele gostava de vê-la ir à loucura. Arrancava sua respiração, arrancava gritos em seus devaneios. Era lindo, era surreal de bom estar perto dele. Ninguém mais poderia entender. Que homem, meu Deus, que homem !

Quando a questionavam sobre suas promessas vazias, ela dizia que tinham inveja, que eram ignorantes, que tinham medo dele. Explicava que tinha exemplos de seu amor. Mostrava alguns presentes. Algumas declarações, alguns feitos. Feitos que eram bonitos, válidos, mas sempre esporádicos. Parecia um projeto de escravidão. Ele servia pequenos sonhos e colhia sua servidão. Mas, não, claro que não. Ele queria o seu bem. Sempre quis!

Ela o defendia com unhas e dentes. Ninguém mais era como ele. Ela queria e precisava amá-lo. Ninguém mais a merecia. Sabia que lá fora, ninguém mais prestava e ela tinha certa razão nisso. Mas ele sim? Sim, sim, ele sim.

Em sua carência, ela se cegou. Muitas vezes, sentia que estava ajudando a construir algo. Que seriam mais fortes juntos. Mas ele a manipulava. Não cumpria as promessas. Não aparecia quando combinavam. Mas foi para isso que ela aprendeu a perdoar. Quando se encontravam, tudo era perfeito.

De tanto ser usada, ela perdia forças, energias, e a própria razão. Mas seu amor vingava. Era uma chama que ardia quente.

Na sua oratória, ele a conquistava como a viuva negra dá o bote em suas presas. Ser refém, para ela, havia virado um mérito. Ela não percebia o tempo passando, as oportunidades partindo, sua vida ruindo. Ele voltaria. Ele ajudaria. Ele iria salvá-la. Que parem com esse discurso absurdo! Ele era bom. Vejam só, ele é único !

Então um dia, ela ficou mal. Muito mal. Em seus delírios apaixonados, clamava pelo seu amor. Precisava dele, precisava de mais que suas palavras. Precisava de suas ações, de suas promessas em concreto. De sua vontade. De seu esforço.

Naquele dia, ele chegou propositadamente atrasado. E não se ocupou de pedir desculpas. Apenas se certificou do seu estado. Ela já não poderia mais dar prazer.

Então se foi enquanto ela agonizava.

E de longe, o populista ouviu a população flagelada gritar por seu nome. “Quando estiver melhor, eu volto”, explicou numa mensagem enviada mais tarde.

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Ps. Dedico este texto a todos os povos que sofrem com a hipocrisia de seus líderes e a todos que tentam escapar disso pacificamente. Que não seja este texto usado para espalhar ódio ou cinismo. Que sirva de metáfora para ponderarmos em relação a tantas circunstâncias abusivas da vida. Entendo que amar vai muito além de defender o que alguém está fazendo de errado. É também guiá-lo e cobrá-lo pelos acertos de forma severa, mas sensata.

 

 

Minha vida com os árabes

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Da novela o Clone até pouco tempo antes de passar um período no Canadá, meu conhecimento sobre o mundo árabe manteve-se mais ou menos reduzido à comida com grão de bico, dança do ventre, algumas mulheres de véu, alguns homens barbudos, religião monoteísta, música dodecafônica. Vez ou outra a televisão me lembrava que alguém, teoricamente em nome de uma parcela muçulmana, executava ações terroristas. E minha cultura árabe parava por aí.

No Canadá conheci muitos árabes, inclusive um dos filhos do rei da Arábia Saudita (que passou um reveillon lá em casa). Eles eram todos gentis, divertidos, inteligentes e ricos. Algumas ideias absurdas que eu podia fazer sobre essas pessoas foram se esfarelando. Fiquei com a seguinte impressão : Árabes são ótimos e ricos. Beleza.

Vim morar na França. Os árabes daqui não têm o mesmo padrão de vida do Canadá. Mas não mesmo. Aqui eles eram mais gente como a gente. E, em alguns momentos, mais gente que a gente.

Foi assim que conheci Nadia, minha amiga marroquina do mestrado. A única que entendeu que eu estava boiando no sistema daqui. Me ajudou do início ao fim e foi a única a fazer esforço para manter contato comigo depois que formamos.

Foi assim que conheci Skandal, um amigo sírio. Uma pessoa que se ouvir você falar que não está tomando leite, ele vai descobrir uma receita vegana de creme de amendoim e fazer um pote pra você no dia seguinte. Quando Skandal soube que meu pai estava aqui me visitando, cruzou a cidade no meio da semana de provas finais com um temperinho sírio. Disse que era para meu pai levar pro Brasil « alguma coisa da Síria ».

Um dia a argelina que trabalha no mercado onde compro legumes me reconheceu na rua. Perguntou como estava a vida (eu tinha emagrecido 10 kgs) e, preocupada, passou-me o telefone da casa dela. Falou que quando eu precisasse, ela estaria aqui de carro e eu poderia ficar na casa dela o quanto fosse necessário. Repito : Essa é apenas a mulher que me vendia legumes.

No dia que caí de bicicleta sobre vários cacos de vidro, eu estava até bem ousada. Um shortinho, uma blusinha fina, sozinha numa avenida de rota rápida. Um árabe parou o carro. Perguntou se eu estava bem, desentortou minha bicicleta, falou pra eu lavar o machucado e foi embora.

Quando vou no kebab comer meu falafel (#goveggie, guys), que é uma das coisas mais baratas que dá pra comer por aqui, é comum que o pessoal de lá ofereça a sobremesa ou fritas extras sem cobrar.

Quando Hikmat, outra amiga árabe, veio me visitar pela primeira vez, ela trouxe uma pulseira de presente para agradecer a minha hospitalidade de 20 minutos para uma xícara de chá. Eles adoram presentear ! Fairouz , outra amigona que ama chá, comprou um kit de banho pra mim porque uma vez elogiei o que ela tinha na pia. E tantas vezes mais, ela me salvou de enrascadas, essa gênia!

“Zulikha, por que você usa véu e se cobre toda ?”, perguntei para uma amiga da Argélia que fez essa escolha. Ela contou sobre uma experiência muito próxima da morte que a fez querer estudar mais o mundo do além. O lugar que foi buscar as respostas era o livro que sua família considerava sagrado. Aliado a isso, embora este livro não determinasse nada específico sobre o uso de roupa completamente coberta, ela entendeu que desta forma se sentiria melhor.

Durante o debate da semana que definiria o vencedor das eleições primárias da esquerda moderada francesa, Benoit Hamon (hoje o candidato oficial) discutia a questão : « Se a mulher usa porque quer, eu defenderei seu direito. Se usa por imposição, eu defenderei sua liberdade ». Lembrei de Zulikha dizendo « meu marido não dá a mínima pra essas coisas ».

Uma vez fizemos um aniversário surpresa para Ahmed, um amigo marroquino, na minha casa. Vieram pessoas do mundo inteiro. Isso porque é Ahmed o único entre nosso grupo que se ocupa de manter viva a idéia de acolher estrangeiros nos encontros couchsurfing de todas as quarta-feiras. As vezes ele vai e fica sozinho. Outras, ele arruma papo com um alemão de 70 anos, ou com um casal de koreanos. Mas ele está sempre lá, depois do trabalho, disposto a falar todas as línguas, porque sabe que alguém pode precisar. Como um dia eu precisei e ele também. É a pessoa mais aberta que existe. E a única que realmente memorizou todas capitais do mundo inteiro. Mas não deixe ele virar o DJ da sua festa. Ele escolhe músicas de 10 minutos cada. Esses árabes !

Hoje, voltando pra casa de noite, encontrei mais um amigo das arábias. Podia ter sido o advogado tunisiano que faz doutorado aqui, podia ter sido o engenheiro libanês que prepara a festa da primavera. Podia ter sido o agricultor iraniano que toca piano como mestre (os iranianos nem são árabes). Mas foi um matemático marroquino. Ele me disse que sua mãe estava aqui para visitá-lo e ficou feliz de ver como ele tem se alimentado bem. Árabes ! , pensei. Pessoas de um coração enorme. É assim que percebo agora, esse grupo tão vasto e diverso.

Que sorte a minha encontrá-los.

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 “Es por el signo de la amistad por el que se unen los hombres, los pueblos y las razas, y es bajo sus auspicios que ha de haber paz en la tierra.” Da Logosofia

  • Este texto foi escrito ao som de : El Arbi, Fatamorgana e Baile de los Pobres – músicas que sempre embalam nossas festas !

Postcard from Italy

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Uma das características mais fofas que notei nos europeus é o hábito de enviar cartões postais. Eu não tenho esse hábito, embora me esforce de vez em quando para isso. Para os europeus é natural. Sempre recebemos na nossa caixa de correio postais de amigos, colegas de trabalho, até de chefes que viajam o planeta inteiro e lembram da gente. Silvinha, minha amiga, embora brasileira, também mantém esse hábito e me enche de alegria. Luciana, outra amiga brasileira, fez uma linda coletânea de cartões postais para sua avó durante uma volta ao mundo e espalhou essa beleza pelo instagram. Eu acho uma graça.

O que me acontece não é nada disso. Normalmente compro os postais pensando num tanto de gente e os guardo comigo, voltando de viagem sem ter enviado.

Aconteceu de novo. Comprei vários postais, mas não enviei nenhum. Descobri que não comprei o suficiente e que seria muito difícil escolher para quem enviar. Então é bem possível que eles continuem armazenados numa gaveta por algum tempo.

Agora, pensando bem, o que eu teria para dizer a todos, seria mais ou menos a mesma coisa sobre a Itália. Se fosse enviar para você, meu caro amigo, um cartão postal da minha passagem por aqui nestes dias, eu diria o seguinte:

A Itália é linda. O italiano é esquentatinho, é chorão e respondão. Mas é também um povo feliz, sempre com fome de comida e sede de arte. Sempre apaixonado e cantante. Aqui ganhei abraços e beijos de desconhecidos. Me senti mais bonita que o normal. Ri muito. Nesta terra encontrei gente que parecia conhecer e conheci gente que é sangue do meu sangue. A Itália me ofereceu o sol e o calor humano que o Brasil ofereceu para meus tataravós italianos quando eles lá se refugiaram. Fui muito feliz nesse chão. E por aqui deixo também um pedaço, um grande pedaço, do meu coração.

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Fotos tiradas de Milão, Verona, Veneza, Porto Tolle e Florença (fora dessa ordem).

 

Mais:

“Postcards from Italy”, música do Beirut que meu cachorro adora!

Para vovó Zu, projeto da Lu de cartões postais para a avó e o mundo!

Jammo, jammo ‘ncoppa jammo ja, Funiculi, funicula, Funiculi, funiculaaaaaaa!!!

 

 

Meu e-mail virou uma caixa de propaganda

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Tenho formação em Publicidade. E acho lindo pessoas que contam histórias sobre e apresentam produtos que fazem diferença na vida das pessoas. Um exemplo disso foi quando conheci a fábrica da Michelin. Poxa, uma empresa centenária que mudou a história de uma cidade e faz parte da vida de tanta gente… Achei incrível e aplaudo os publicitários que participaram dessa conquista, mesmo que no início tenham usado o bonequinho fumando.

Mas quando tudo vira propaganda, essa cena me deprime. E a publicitária que existe em mim se revira num misto de antipatia e decepção com as ações que tenho visto.

Antes (muito antes) eu ficava feliz quando abria meu e-mail e via que tinha muita coisa pra ler. Que legal, muita gente lembrou de mim! Pensava!

Depois que comecei a trabalhar usando e-mails profissionais, descobri como a quantidade não significava afeto, muito menos saudade. Advogado recebe mais de 100 e-mails por dia de clientes e publicações de prazos. Estamos lá concentrados numa defesa e o tempo todo, naquele cantinho de baixo, um pop-up popupa! Dizem que demora cerca de 4 minutos para se refazer completamente de uma distração. Calcule a dificuldade.

Mas hoje meu e-mail particular, não o profissional, o particular, virou uma caixa de propaganda. Eu já tinha desconfiado que isso iria acontecer quando notei que ninguém mais se dava ao trabalho de responder e-mails pessoais. Mesmo que fossem escritos contando casos em comum, relatando experiências, descobertas, declarações. Nada importa mais por e-mail, é isso? Será que ficamos mesmo tão atarefados a ponto de deixar os amigos falando sozinhos? Talvez.

Percebi que depois que inventaram o celular esperto que recebe e-mail eu mesma tenho tido mais dificuldade de respondê-los porque quando olho pelo celular, deixo para responder depois. E no mundo de hoje o depois não tem muita chance. Quantas ideias já perdi tendo deixado para realizar depois… Não dá! Deve ser por isso que o whatsapp informa a hora e o momento que você viu a mensagem. Para que aquilo fique em forma de culpa, infernizando a sua cabeça, até você responder.

Numa boa, eu prefiro e-mail para superar distâncias. No e-mail dá tempo de desenvolver um raciocínio. No whatsapp a interrupção pode ser imediata. Assim como a ausência perturbadora do interlocutor !

Mas não interessa. As coisas mudaram e meu e-mail fica todo dia com mais 60 mensagens não lidas de produtos que foram muito mal selecionados para mim. Muito mal. Nem sei por quê continuo olhando meus e-mails… Chego a questionar a eficácia desses cookies que além de terem um nome que dá fome, não servem muito para verificar meus reais interesses.

Então, vou deixar aqui uma lista de interesses para facilitar o trabalho dos colegas publicitários, ok?!

  • eu sou interessada em tudo que diz respeito a cidades, urbanismo, intervenções urbanas, interação humana, mundo plano. Mas não adianta mandar textos longos. Pode mandar textos curtos, uma vez por semana.
  • eu sou interessada em salvar pessoas, animais e florestas, assino diversas petições, mas procuro a coerência delas. Não adianta fazer petição pro SUS pagar um medicamento se tem outro equivalente tão bom quanto. E, por incrível que pareça, sei do que estou falando.
  • Tenho um crescente interesse pelo que se refere a comércio justo, agricultura biológica, economia criativa, minimalismo, mas prefiro participar de um grupo de discussão sobre o assunto a receber um conselho publicitário sobre essas coisas.
  • Adoro cursos online, documentários e muitos vídeos do youtube. Se a frequência não for grande, adoraria receber recomendações de pessoas que tenham os interesses parecidos com os meus (ou mesmo diferentes de vez em quando).
  • Sou interessada em ofertas de passagens de avião, mas não precisa enviar todo dia não. Pode ser uma coletânea por mês.
  • Gosto muito de direito, fotografia, línguas, música, moda, arte, culinária, decoração e teatro também, mas é duro ver esse tipo de amor sendo usado apenas para vender algo. Então, muito cuidado. Pode vender, mas ofereça mais que isso.
  • Tenho diversos outros interesses na vida, mas não vejo como tão comerciais, então é melhor usar banners mesmo ao invés de ficar lotando o meu e-mail e criando uma certa antipatia da marca.

Porém, senhores publicitários, meu maior interesse ainda é pelos meus amigos. Se estiverem passando bem, se tiverem um caso pra contar, eles serão sempre priorizados! É por causa deles que eu ainda mantenho redes sociais, e-mails e telefone. Adoraria poder também realmente confiar no unsubscribe. Mas sabe o que talvez pudesse me fazer continuar inscrita? Se você, publicitário por trás do spam, mandasse e-mails reais, falando de você mesmo e de porquê o meu e-mail foi parar no seu mailing. Isso não seria fantástico? Um abraço do seu público alvo!

Vocês estão com frio ?

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É engraçado como funciona a minha cabeça e não duvido que a de muita gente. Quando eu estou com fome, tenho enorme dificuldade de entender alguém que não esteja. Aí você já viu onde quero chegar, né ?! Pelo título deste texto, quando estou com calor, não consigo imaginar o frio. E vice-versa. Eu posso até imaginar, mas é mais complicado porque imagino de uma forma mais romantizada, mais gostosa.

Agora que estou vivendo um sol escaldante, que deixa minha testa brilhando, meu cabelo espigado e faz das minhas noites um zumzumzum de pernilongos, imagino que todos estejam no Brasil vestindo um suéter de tricot, segurando uma xícara de chocolate quente com as duas mãos e assistindo a algum filme divertido com seu grande amor do lado.

Mas não é assim, né ?! Embora a minha cabeça insista em imaginar diferente eu SEI que o frio pode ser cruel. Eu sei que o frio faz sugar as suas energias para se levantar da cama de manhã e que mesmo assim você tem que se levantar. Eu sei que o frio te faz cogitar não tomar banho, mas que mesmo assim você TEM que tomar banho, nem que seja rapidinho.

Sei também que o frio traz doenças, alergias e falta de vitaminas. O frio de Avignon ainda ressecava a minha pele a ponto de sangrar, matava as minhas plantas e até alguns animais de rua (que tanto tentamos ajudar). O frio era tanto que dentro da minha casa, por diversas vezes, parei de sentir meus pés e o bepantol congelou. Com que coragem eu iria estender as roupas da máquina de lavar ? E lavar os pratos ? E andar de bicicleta contra o vento que ultrapassa 60 Km/h ?

Frio, até hoje, ainda traz enormes contratempos. Por isso deixo aqui a minha solidariedade para quem estiver vivendo esse desafio. E também a pergunta: por que o clima da Terra está tão alterado este ano ?

Mas como eu sou otimista e não quero deixar ninguém mal, decidi listar aqui coisas que dão saudade de viver no frio, agora que estou com calor :

  • dormir de cobertor
  • usar moleton
  • ter uma maquiagem que dure na pele
  • ter um cabelo mais macio
  • não ter que preocupar com insetos
  • poder deixar a comida fora da geladeira por mais tempo
  • aproveitar o tempo para atividades intelectuais sem dó de não sair de casa (aham!)
  • fondue de chocolate e de queijo e as outras variáveis !
  • Sopas
  • Roupas com sobreposições!
  • E essa não é válida para o Brasil, mas… Neve!

Desculpe se não consegui lembrar de mais vantagens do frio! Apesar de estar sentindo muito calor agora. Estou adorando cada minuto de curtir esse solão. Sugiro que se você estiver reclamando do frio, anote agora tudo que não gosta neste clima e tudo que sente falta do calor. Releia quando estiver reclamando do verão. Feliz inverno, Brasil!

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Conclusões antecipadas

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Estava na fila do caixa quando a senhora que esperava atrás de mim comentou « mas se é pra passar só uma garrafa d’água, você pode passar na frente de todo mundo ». Ri e respondi que não precisava. Passados trinta segundos o rapaz da minha frente falou « por favor, pode passar, assim eu deixo todo mundo feliz ». Agradeci e passei. Ainda tinha uma moça antes de mim. Sem problemas. Mas a senhora lá de traz gritou « ei, moça, deixa essa daí passar na sua frente, ela só tem uma garrafa d’água pra pagar ». Falei que não precisava de novo. E a moça gentilmente me colocou na frente. Olhei pra trás e a senhora dava uma risadinha e um sinal de jóia!

Isso aconteceu hoje, aqui em Milão. Já é a segunda história fofa que tenho para contar de fila de caixa. A primeira foi há dois dias, quando um homem, depois de passar e pagar suas mercadorias, retornou, e disse ao homem do caixa que estava com 20 euros a mais de troco.

Quando furtaram a mala da minha prima depois do check in no aeroporto de Milão (depois a mala foi encontrada aberta na rua por uma mulher que achou o meu telefone lá dentro e me ligou) fiquei com a má impressão de que as pessoas daqui só queriam levar vantagem (salvo a mulher que achou a mala). Mas desde que cheguei (há apenas 4 dias) tenho tido a experiência contrária.

Internet gratuita, preços baixos, bom atendimento, tudo isso me faz repensar as estranhas conclusões que a gente tira baseadas em poucas experiências. Mas claro que tudo pode mudar. Ainda é  pouco tempo vivido aqui para saber dizer o que penso dos italianos. Nas primeiras semanas na França eu dizia que o atendimento em restaurantes era ótimo. Hoje já tenho uma visão bem diferente. Meu próprio Brasil e a minha querida Belo Horizonte também costumam me fazer repensar muitas frases prontas.

Estou deixando a Itália me surpreender positivamente. Por enquanto, tem funcionado!

 

Ps. Este é o centésimo post deste blog! E é mais um post da saga “33 textos antes dos 33 anos”!

Oslo!

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Passei seis dias em Oslo. Capital da Noruega. Nunca pensei na vida que um dia colocaria os pés na Noruega. Tinha uma boa impressão do país, principalmente em relação às ideias da Escandinávia e aos hidratantes labiais mas nada muito além disso.

Quando a oportunidade apareceu fui em frente. E lá estava, num dos poucos lugares onde eu poderia me considerar morena demais!

Muito embora seja pequena, Oslo tem problemas e soluções de cidade grande. Oslo tem metrô, trem e um sistema de ônibus que funciona impecavelmente. Todo mundo fala norueguês e inglês. Oslo tem restaurantes e lojas com um serviço razoável, mas poucas coisas artesanais, o que foi uma pena. Mas tem um porto e casas feitas de containeres, o que é genial! Para a lista de lamentações Oslo ainda tem muitos mendigos (uma surpresa, pois vimos que eles cogitavam inclusive proibir a mendicância – situação que gerou um estudo entre amigos!) e pessoas completamente dopadas pelas ruas. Nada do que citei é exclusividade de Oslo, mas são características que chamam atenção na cidade. Sobre a arquitetura, eu diria que é uma mistura da inglesa, com holandesa, com a contemporânea mundial. Mas não sou especialista, lembre-se!

Tive alguns pontos altos neste passeio. Um deles foi conhecer o navio do explorador dos Pólos, Roald Amundsem. Seu navio que chegou ao pólo Sul, chamado Fram, está inteiro dentro de um museu e lá podemos entrar dentro dele. É muito impressionante e bonito e impressionante de novo! Como alguém consegue convencer outros bons profissionais e viajarem com ele, colocando em risco suas vidas, seus casamentos e suas fortunas para ir pra onde? Pra um lugar cheio de neve, frio, gelo e ursos que comem gente!!!!! Bravo, Amundsen! Isso não é para qualquer um. Scott, o inglês que tentava o mesmo feito também quase conseguiu, mas a escolha de pôneis para puxar charretes no gelo foi menos acertada que a escolha de cachorros (como fez o norueguês).

Outro ponto alto da viagem foi conhecer o City Hall de Oslo, onde todo ano é entregue o prêmio Nobel da Paz. Um lugar magnífico. Como diria o prefeito da cidade, um lugar que por fora pode ter uma beleza questionável, mas por dentro deixa o que discutir. É maravilhoso! E tão especial…

Foi lá dentro que conheci pessoas nada menos que sensacionais, e que nos dias subsequentes nos acompanharam em mais turismo. Destas pessoas tirei algumas boas regras de como seriam as (minhas) companhias ideais para viagem. Características essas que todas reuniam, além de muita empatia!  1) Elas não eram “afetadas” com jeitos irritantes (pra mim) de falar ou manias de compras, 2) Tinham casos engraçados e/ou enriquecedores, 3) Sabiam ouvir também, 4) Tinham fome na mesma hora que eu, 5) Tinham soluções divertidas para problemas inusitados, 6) Tinham o caminhar na mesma velocidade média que o meu 7) Não ficavam xingando o Brasil a cada coisa boa que observam no outro país. Adorei!

Por último, três excelentes passeios foram no Vigeland Park, um parque cheio de estátuas feitas pelo senhor Vigeland; o Munch Museu, para conhecer o quadro grito e as noites estreladas de Van Gogh, infelizmente um museu ainda com a mania chata de proibir – inutilmente – fotos no local (talvez por trauma dos dois sequestros que o quadro de Munch já sofreu) e uma fazenda perdida nos arredores de Oslo, para onde fui sozinha apenas pra dar bom dia aos cavalos e as vacas. Que retribuiram!

Oslo é uma cidade cara, mas não é preciso gastar muito. Andar nas ruas é um evento, com lugares e gente bonita e simpática para apreciar. Pudemos aproveitar que no verão não anoitece por esses cantos. O que alterou completamente o nosso sono, mas foi divertido!

Não sei se um dia voltarei pra esse país. Mas é mais uma estrelinha no meu globo! E mais um coraçãozinho na memória. Noruega, sua linda!

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Ps. Este post faz parte da sequência de textos do meu projeto “33 textos antes dos 33 anos”. O texto também foi publicado no meu blog sobre serviços/turismo e boas impressões. Minha tia disse que não aguenta acompanhar todas as páginas que eu crio na internet. Então não vou nem comentar que em breve devo fazer um vídeo no canal do youtube sobre observações de Oslo!

O silêncio 

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Ontem meu avô pegou lugar no ônibus do lado de um francês. Ele queria muito conversar, mas o francês não falava português. Então meu avô me chamou para continuar o papo e fui lá me apresentar. Aproveitei para perguntar em qual cidade ele vivia na França, ao que ele sacou seu cartão de visitas e me disse que há 30 anos morava no Japão.

Uau, Japão, né… meu sonho é ir para Tokyo e entrar numa papelaria.

Só isso!

Minha conversa com ele começou por educação, mas ao falar do Japão, meus olhos brilharam. Foi outro dia que descobri que a partir dos seis anos de idade os japonesinhos aprendem a limpar tudo que sujam. No trabalho, são seres com incrível capacidade de concentração, organização e senso de utilização (minimalismo e qualidade total). Na arquitetura, desenvolveram as mais criativas formas de aproveitamento do espaço. No desenho, traços e formas que inspiraram o Impressionismo francês. É um povo que me atrai. Mas ao mesmo tempo, são pessoas que comem peixe vivo. Não há cultura perfeita. Uma realidade.

Contei que uma coisa que me intrigou nos japoneses que conheci foi a capacidade de fazerem silêncio. As conversas com eles eram seguidas de longos períodos de silêncio. Nós, na nossa cultura do « sem parar » temos horror ao silêncio. O silêncio é considerado constrangedor, errado, falta de assunto, falta de interesse, problema. Mas será que falar qualquer bobagem seria melhor que isso?

O colega de ônibus explicava sobre aquela cultura, « para o japonês o silêncio é uma reverência e uma arte ».

É tão elegante saber a hora de se conter, de dizer sem palavras, de responder com o silêncio. Tive a oportunidade de experimentar isso por vezes. Algumas delas diante de manifestações absurdas. Outras para grandes emoções. Outras para pequenas alegrias. Devo admitir que não domino essa técnica. Sou uma admiradora. Mas não domino. Por muitas vezes me pego contando casos sem graça apenas para evitar o silêncio.

“Repara bem no que não digo”, dizia Leminski. Seria tão mais fácil se a gente tivesse essa percepção melhor apurada.

Em 2013, depois de uma escalada com Alexis, nos vimos no cume de uma montanha numa ilha da Grécia. Sentamos no alto, vimos o céu, o mar, as árvores. O silêncio. Comentei que lá podíamos ouvir o silêncio. Dito isso, dois segundos depois meu telefone tocou. E no desespero de achar que era sobre o meu mestrado, tentei atender. Não consegui. Tentei ligar, não consegui. Tentei conseguir sinal, enviar mensagem. Matei, de forma irracional, aquele tesouro que havíamos acabado de encontrar. Passei a reparar que era quase impossível de perceber um silêncio assim novamente. Sempre há um som, mesmo que lá no fundo. Mesmo que vindo da geladeira, dos vizinhos. Sempre tem um som no ambiente.

Conheço mães de bebês dariam suas riquezas por um silêncio duradouro. Alguns escritores também. Penso que até médicos, advogados, dentistas. Com certeza dentistas! Precisamos equilibrar os trinados da vida com os respiros de sossego.

O silêncio total, no entanto, é uma mentira. Enquanto houver pensamento, o barulho será certo. O que precisamos, de fato, é de silêncio exterior, para ouvir, um pouco mais, o pulsar da nossa mente.

E não só de silêncio se fazem as sinfonias. O silêncio sem a esperança do som também não tem graça. Um dos meus maiores horrores é ficar perdida no Espaço Sideral, ou numa aula monótona.

O silêncio é bonito quando sabe sua hora. Na partitura de música ele recebe seus símbolos. Um deles tem carinhosamente o apelido de Zé Carioca, por lembrar um Z e um C unidos. Certa vez minha professora de piano elogiou uma interpretação. Foi um detalhe que aconteceu naquele dia. Enquanto eu tocava, antes do último acorde, fiz um silêncio maior.

Recomendo!

Isso também existe para a escrita e a fala. E como seria bom se eu pudesse usar com consciência. Ao invés de fazer meio sem querer como um dia no piano eu fiz. Na escrita, o silêncio curto pode vir na vírgula. O silêncio médio no ponto final. O maior na mudança de parágrafos. É preciso escrever muito para intuir esses momentos. E já deixo avisada uma coisa:

A palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro. É uma arte. Saber a hora.

De calar.

Ensaio sobre a baranguice

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Estou em Oslo, quem diria, capital da Noruega! Nunca pensei que fosse parar aqui e nunca pensei que fosse encontrar uma parte da minha família aqui. E encontrei! Então essa é a hora em que eu devo fazer um daqueles comentários « nossa, como o mundo gira », « ai, como a vida me supreende ». E essa é a hora em que acontece de algum leitor rolar os olhos pra cima e suspirar um doce « não aguento mais ler essa baranga » enquanto fecha o notebook com a mão direita se for destro. Mas o que é ser barango pra você, meu filho? Você não acha que o mundo gira e a vida nos surpreende?

Essa questão tomou conta do nosso dia nessa cidade que não dorme (pelo menos no verão!). Ser barango é usar muitos clichês? É se vestir de oncinha? É se vestir com um número a menos do que ficaria confortável? Ser barango é se vestir diferentemente de como as pessoas esperariam que você se vestisse? Estaria esse conceito diretamente relacionado com o vestir ? Com o escrever ? Com o quê ?

Lembrei-me de uma conversa de restaurante que tive com o Airton. Já falei do Airton aqui neste blog. Ele é meu amigo há anos, desde que trabalhamos juntos em BH. Mas apareceu na minha casa em Avignon um dia em que pegou o trem errado pela Europa. Nenhum erro poderia ter sido mais agradável. Depois disso, passamos a contar um com o outro em momentos de apuros. Ele morando na capital da Inglaterra tornou-se um grande aliado para quando meu Hostel não parecia muito hospitaleiro.

Nesse dia, num restaurante londrino todo diferente, no qual a gente tinha que subir escadas sobre as mesas para chegar às nossas mesas, ele me contou aquilo que poderia ter sido tema para a minha monografia: como as pessoas se diferenciam umas das outras na Inglaterra.

Antes de continuar, preciso esclarecer que adoro a Inglaterra. Nem sempre foi assim. A primeira vez que estive lá, aos 15 anos, não curti a galera, por mais que fosse apaixonada com Spice Girls. Achei todo mundo rigoroso, metido e formatado. E achei que eles eram muito ligados à separação de classes : se você é rico você é legal, se você é pobre você não merece nada. Essa forma de pensar e a exatamente oposta a essa me dão um pouco de agonia.

Pois bem. Depois conheci ingleses legais. E resolvi dar uma segunda chance para o povo inglês. Great idea! Talvez eles tenham tido a mesma ideia, porque hoje tenho a impressão que nos damos bem. Passei a entender e respeitar diversos valores daquela cultura. Mas ainda vejo que é um universo que gosta de compartimentar os tipos de gente, pelo menos de uma forma mais explícita que vários outros. E rótulos assim, já dizia Gabi, são para geléias… mas uórever.

Airton me contou que hoje para o inglês não faz mais sentido julgar as pessoas pela aparência delas. Justo. Hoje o fast fashion fez da forma de se vestir algo universal. O pobre pode se vestir de rico e vice versa. O indiano se veste de carioca e a patricinha de cigana. Não há mais como saber. O que aparece diante dos nossos olhos é uma pessoa cuidadosamente vestida para fazer parecer o que é ou o que quer ser ou mesmo o que quer que a gente pense que ela quer que a gente pense que ela quer ser. Entende ? Não é como no período Rococó em que o bico do sapato denunciava quão « nobre » a pessoa era. Hoje todos temos acesso a todos os bicos de sapatos, marcas ou suas falsificações idênticas. Não vamos nos dar ao trabalho de procurar as coincidências nas estampas da Louis Vitton para sabermos se é uma bolsa real ou falsificada. Pelo menos, os ingleses não estão com tempo pra isso. Segundo meu amigo, eles arrumaram uma outra forma de etiquetar as pessoas. E essa forma está na linguagem.

Incrível!

A forma de falar sempre foi uma maneira de denunciar-se um pouco. Não à toa você conhece gente que escolhe não falar palavrão. Ou escolhe falá-los em algumas ocasiões especiais. Ou escolhe falá-los sempre. Tudo indica o que quer indicar ou que quer que você pense que quer indicar (eu sendo confusa e você já com a mão direita na tampa do computador, não ?!). Serve também para indicar a região de onde a pessoa vem, ou o grupo ao qual pertence ou quer pertencer.

Outras pessoas, decidem usar as palavras e expressões da moda. Enquanto os demais inventam ou revisitam (revisitar é uma palavra chatinha, né ?!) uma expressão já existente. Been there, done that, got the t-shirt. Claro !!! Faltava o « got the t-shirt » para ficar mais perfeito. Ou « faca de dois legumes » que minha mãe falava tanto que eu achava que essa era a expressão certa.

Para os ingleses, houve um tempo que aceitavam muitas palavras de origem francesa porque o francês era a língua da moda. Tudo que vinha da França era considerado chique. Então era comum usar expressões mais francesas para mostrar o status. Era. Hoje isso é visto como aquilo que algumas pessoas poderiam considerar barango.

« Mas então o barango é aquilo que já foi chique? », disse hoje minha tia ouvindo essa história. De certa forma sim. Não há uma regra na verdade. E a percepção de barango varia muito com o que você sente que é conveniente e o que você sente que não é. Há também a percepção daquilo que é tendência. E já reparei que é geralmente quando a coisa saiu de moda há muito tempo, mas começa a voltar de uma forma, digamos assim, revisitada (por favor, me passe um sinônimo pra essa palavra)! Em linhas gerais a gente concluiria que o barango está usando (mesmo que de forma verbal) o que está num passado recente da moda (moda sendo o que está em uso pela grande maioria das pessoas de seu grupo) e o que lança tendências é aquele que está sabendo encaixar algo antigo e demodé (mesmo que de forma verbal, de novo !) num contexto novo. Diferença até bem sutil, eu acho.

Talvez um dia eu faça um vídeo explicando as expressões que Airton me contou! Talvez eu precise reencontrar esse meu amigo para coletar mais informações a respeito. Vai que ele já mudou de ideia e eu estou aqui repetindo, barangamente, uma ideia retrógrada. Quem nunca?? Pois é, meu caro. O mundo dá voltas! A vida nos surpreende! E eu te agradeço, que até agora, ainda não tenha fechado esse computador.

Frio

PS: Este é o texto 2 do projeto 33 textos antes dos 33 anos. Obrigada!