Entendo que é falso quando dizem genericamente que as pessoas não gostam de trabalhar. E o que eu entendo é o seguinte: as pessoas não gostam é de serem humilhadas, de serem desrespeitadas, não gostam de arriscarem a vida por miséria. Elas não gostam é da hipoglicemia da fome, da ruptura de ligamento por não poderem mudar de posição, ou do problema nos pulsos por um movimento repetido à exaustão. Acho que as pessoas sentem é que têm umas mil horas de sono atrasadas. E elas não gostam de serem invisíveis e nem de serem vigiadas o tempo todo. As pessoas não gostam de não conseguirem algo impossível e nem de serem criticadas pelos erros dos outros. Há uma lista grande das coisas que as pessoas não gostam. Mas as pessoas gostam de trabalhar sim!
Em sentido amplo, todo mundo tem prazer ao entregar uma coisa bem-feita. Ao receber um reconhecimento, um sorriso, ao encontrar uma solução para um problema, se sentir útil. Todo mundo tem prazer quando sente que faz algo importante, algo que pode levar a outra coisa também importante. Algo que faz bem. Esse é o trabalho ou como entendo que deveria ser. Isso a gente adora fazer, mesmo quando passamos por momentos de dificuldade, ralação e até pequenos desprazeres! Aqui posso dizer que amo escrever. Trabalho com isso. E muitas vezes faço de graça. Escrevo o tempo todo. Nem sei como faria se não soubesse. Foi um dos primeiros sonhos que lembro de ter tido na vida. Mas tem dia que eu estou exausta. Tem dia que eu não logro escrever mais nem uma linha. E percebo que é isso que acontece com a maioria das pessoas que não conseguiram finalizar algum trabalho. Elas chegaram num limite, de uma forma ou de outra. E é preciso entender o que aconteceu. Há sim uma parcela que é da malandragem, do aproveitamento, da pura usurpação. Mas essas pessoas mais fingem que trabalham do que não trabalham, sabe como? Sei que você sabe.
Então já vou indicando isso logo no início do texto para explicar que não deixei de escrever os 50 nuncas de 2020 por não querer, ou por não gostar de trabalhar ou escrever, mas porque não consegui. E tenho boas desculpas.
- Vivi uma pandemia
Como todo o resto da humanidade, fui pega nesta loucura, vivi as dores, as transformações e ainda sigo, cada dia, me perguntando sobre o que nos falta aprender com isso tudo, embora considere que ja pagamos o calvário
- Passei a trabalhar meses de home office
Com isso, meu gato, meu cachorro, meus pais e minhas colegas de apto viraram meus principais colegas de trabalho. Minhas plantas agradeceram e meus vizinhos acabam de aumentar o condomínio em 60% sob o mesmo argumento.
- Resgatamos 3 gatinhos na minha rua
Como isso foi em janeiro de 2020, aconteceu antes da pandemia chegar aqui e parece que tem mil anos. Conseguimos adotante para todos logo depois!
- Fui para o Rio de Janeiro em Janeiro só pelo trocadilho
Na verdade, não apenas pelo trocadilho, mas pela oportunidade. Conheci a sede de um cliente muito querido e foi a grande ocasião, pois logo depois, como se sabe…pandemia.
- Trouxe um pé de amora para casa
E divido as frutinhas com os pássaros que visitam minha varanda.
- Fiz um curso de pandeiro com a Chaya
Foi meu primeiro curso da pandemia! Chaya é uma das maiores percussionistas de Belo Horizonte e uma grande integrante da nossa banda latina querida: Orquestra Atípica de Lhamas!
- Escrevi um livro com outras 18 mulheres
No início da pandemia era muito difícil encontrar máscaras e material médico suficiente para atender todo mundo. Num projeto encabeçado pela Paty Barbosa (da By My Hands) escrevemos, um livro que foi vendido pela Amazon e teve metade da renda revertida para auxiliar comunidades carentes e hospitais nessas questões. Obrigada a todos que compraram. O livro se chama Manas à Obra! Escrevi o capítulo sobre Greenwashing.
- Fui promovida e virei Senior
Foi uma das últimas atividades presenciais que tivemos. Uma copywriter senior fui até início deste ano, quando mudei de cargo!
- Gravei meus primeiros podcasts profissionais
Aliás, hoje mesmo este está sendo o tema da enquete que deixei no instagram (gente, o instagram tá esquisito, né? Socorro!).
- Fui pra Tiradentes com os amigos
Mas isso foi em Janeiro também (ah, que mês viajandão). Estou sendo anacrônica, beleza? Estivemos lá para o festival de cinema e que bom que deu para aproveitar antes da pandemia. Não é exatamente um nunca ir para Tiradentes no festival. Mas com esses amigos foi!
- Dei um curso de interpretação e escrita jurídica para meus colegas de trabalho
Galerinha, eu adoro dar oficinas de tudo que sei! Quero mais!
- Toquei flauta no carnaval
Tenho até foto! Meu personagem do Titanic Fail fez tanto sucesso que minha amiga conheceu um alemão por causa dessa abordagem. Isso foi antes da pandemia chegar aqui.
- Passei as férias faxinando o prédio dos meus pais
Com a pandemia, foi recomendado que o zelador ficasse em casa. Eu ia para o México de férias e tive a viagem cancelada, então fiquei nessa função durante as férias e o resto do prédio deles também colaborou.
- Processei uma empresa aérea de forma totalmente virtual
O nunca não está em processar um serviço mentiroso e absurdo que fica com o nosso dinheiro indevidamente, mas em fazê-lo sem sair de casa.
- Esperei meu namorado por 7 meses
Ele foi para o México uma semana antes de mim. Isso foi em março. Aquela semana mudou tudo. E enquanto ele conseguiu embarcar, eu fiquei por aqui. Foram 7 meses para reencontrá-lo novamente.
- Fiz minhas primeiras lives!
As primeiras lives que fiz na vida foram com Lili, Paty e Danilo! E teve um dia que Lucas estava muito doido e também me colocou em uma sem avisar nada. Adorei as experiências, gente, mas ao mesmo tempo me preocupei demais com a internet. Se essa coisa pifa, a gente fica muito angustiada. Como vocês conseguem fazer a internet de vocês funcionar?
- Troquei de internet 3x
Socorro! Qual é o serviço que funciona? A última internet fibra que instalei aqui me custa um rim, tem aumentado de valor e passa uns dias sem pegar direito. A notícia boa é que conheço a galera toda do call center deles. É caro, mas a gente já se despede com #forabolsonaro. Rimou!
- Mandei consertar todos os meus sapatos
Não distante da minha casa descobri uma portinha que tem os melhores sapateiros do mundo. Fiz amizade e recuperei todos os meus sapatos e tênis. Sabia que podemos trocar a sola dos tênis e reutilizá-los ainda muito tempo? Aham!
- Descobri o armário solidário
Um armário situado na rua Pium-í (olha que nome tudo!) aqui em BH onde você pode doar tudo que tiver em bom estado para doar. Fiz uma limpa nas minhas coisas e me sinto muito bem!
- Ganhei uma surpresa de aniversário dos meus vizinhos!
Nunca tinha vivido isso do síndico chegar vestido de homem-aranha, com a namorada e entregar bolo de presente. Este prédio desperta o melhor e o pior das pessoas!
- Ganhei um megafone de aniversário
Juan, impossibilitado de vir para meu aniversário, me mandou este equipamento utilíssimo! Tem uns 4 nuncas que vieram disso!
- Cantei Carinhoso para minha avó na porta da casa dela
Com o megafone!
- Fiz propaganda para a sorveteria do meu amigo na rua
Com o megafone. A sorveteria se chama Inventiva. É deliciosa e pertence ao meu amigo de infância e a gente se chama assim.
- Virei fiscal de festa na vizinhança
Com meu megafone.
- Conheci a Lureca Burguer
Uma lanchonete simples e maravilhosa aqui no bairro (@lurecaburguer ). De tanto pedir para a Lureca um sanduíche vegetariano, ela criou o Diorela Burguer. Hoje somos amigas!
- Fiz muito anúncio para o bairro sobre as comidinhas da Lureca Burguer
Sim, com meu megafone!
- Fiz o curso de dança online do Grupo Corpo
Que é maravilhoso, né? Gente, me lembra de contar a história de quando entrevistei o Rui Moreira!
- Comprei uma Calimba
Esse instrumento lindo que Nadia e Rodolfo me apresentaram. Comprei na rua, de um artesão da música.
- Fiz um curso de Palhaçaria
Estava na lista de ano novo e consegui fazer o curso com o grupo Maria Cutia. Maravilhoso! Tenho muito a dizer. Não vai caber aqui.
- Cuidei de Peter quando ele infartou
Peter é meu cachorro. Em abril, era o aniversário do meu pai de 70 anos, e ele (o cachorro) infartou. Me mudei para a casa dos meus pais e fiquei cuidando dele até que ele pudesse voltar a andar e comer sozinho. Peter sempre cuidou muito de mim. Foi o meu jeito de agradecê-lo. Ele sobreviveu. Em abril deste ano ele fechou os olhos para encontrar outros tantos amores em algum lugar onde não existe dor, eu espero. Me desculpe por este nunca mais triste. Porém Peter foi uma alegria por quase 15 anos nas nossas vidas. Somos pura gratidão.
- Choquei 48 pintinhos!
Olha, eu não sei como explicar, mas minha mãe achou que seria conveniente trazer os ovos da roça para chocar no apartamento durante a pandemia. Eu, fazendo home office, fiquei encarregada de acompanhar a chocadeira. Eram 84 ovos. O povo da Rock até fez uma lista de 84 sugestões de nomes para apadrinharem, mas apenas 48 pintinhos nasceram. Tipo George Orwell. Eu trabalhava entrevistando gente com uma mão e segurando os pintinhos mais frágeis ao mesmo tempo com a outra. Por favor, não pense bobagem com os possíveis trocadilhos aqui. Isso é coisa de quem vota muito errado.
- Sanduíche de mundo!
Tenho uma prima que mora na Austrália. Eu moro aqui. Sabe que se a gente coloca um pão de forma no chão da Austrália e outro pão de forma no chão do Brasil, a gente está fazendo um sanduíche com o mundo inteiro? Então, meu amigo, te informo que você está dentro de um. Valeu, Larissa!
- Virei tia do Tom!
Mas ele ainda não me conhece…
- Fiz uma oficina sobre Tiradentes para meus amigos franceses
Isso foi online e no dia de Tiradentes. Foi importante e gostoso ao mesmo tempo! Quando se estuda essa história, a gente vê o desgosto que é uma traição.
- Recebi um queijo arremeçado pela janela do prédio ao lado
Melhor não detalhar.
- Pedi para Fernanda Takai e Arthur Nogueira me emprestarem uma música para eu enviar para minha avó e eles concordaram
Esse foi o dia em que vovó saiu do hospital.
- Participei de um projeto de vídeos com a turma de teatro
Desta vez fizemos projetos à distância e em vídeos. Mas reunir, ainda que distantes, foi tão bom! Você pode acompanhar em @oficinamarcelodovalle.
- Virei inspiração para o roteiro que um amigo está escrevendo
Não sei se posso contar muito, mas André é um ator mineiro que mora no Rio (ele já foi meu colega, meu chefe e meu companheiro de patinação no gelo também) e, de alguma forma, acha que sou estranha o suficiente para virar um personagem com os requisitos que procura! Tô doida para ver!!!
- Criei o @VistadaCidade no instagram
Em homenagem ao primeiro blog que tive na vida, também a uma página de facebook que mantenho há algum tempo. Desta vez, virou instagram, onde falo de cidades, urbanismo, arte urbana, transporte público, mobilidade urbana, vida em comunidade, gentrificação, direito à cidade e tudo mais que estiver relacionado a esta palavra que me chama tanto: cidades. Já segue?
- Participei de um mutirão de plantação de árvores
Eu e Juan, nas bordas do rio Arrudas. E assim vamos resistindo e tentando também colaborar com o futuro desta cidade. Siga também o @mataurbana para mais mutirões!
- Troca de looks
No meio do caos e do confinamento, eu e minha amiga Livinha iniciamos um projeto de envio de looks do dia todos os dias. Assim paramos de ficar de pijama o dia inteiro. Embora nada contra.
- Fiz as primeiras reuniões e entrevista em francês, estando no Brasil
Para a Rock, onde trabalho hoje! Porque antes, né, na França não é diferencial falar francês, mon Dieu.
- Meu texto virou obra do grupo Galpão
Há um incrível grupo de teatro neste Brasil que se chama grupo Galpão. Durante a pandemia, fizeram uma convocação para que o público enviasse relatos sobre suas histórias na pandemia e no confinamento. Enviei a minha. Fui selecionada junto a mais umas 19 redações e pela primeira vez vi alguém me representar! Uma honra!
- Fui entrevistada pela Globo
Por conta dessa alegria com o grupo Galpão também virei tema de reportagem da Globo. A Iana (apresentadora que hoje eu adoro, mas que antes não conhecia por não ter televisão em casa) veio aqui com o cinegrafrista, ganhou macarrão do meu avô, pediu detalhes sobre a chocadeira, o livro, o cachorro e saiu rindo. Mãe, eu tô na Globo!
- Contratamos um carro de som para o dia 24 de dezembro
Olha, a gente não tem religião, mas a gente sabe que o dia 24 de dezembro é meio sagrado para muita gente da nossa família. E sem poder reunir, a coisa estava ficando dolorosa. Contratamos um carro de som, colocamos muita música italiana para a família italiana e muito Zeca Baleiro para a família Kelles. A boa notícia é que as duas famílias moram na mesma rua e a festa foi da rua. A má notícia é que o carro de som só aceita pagamento em dinheiro, tá? Você se prepare.
- Entrega de macarrão natalino
Se você me conhece há mais de vinte minutos deve saber que meu avô faz massa de macarrão ( @massasbranco). E este foi o grande presente que levei para algumas pessoas queridas na noite de natal (depois que deixei o carro de som do item anterior). Apareci de surpresa em algumas casas. Algumas pessoas já estavam até dormindo. Nath ficou sem o macarrão dela por conta disso.
- Cobrinhas no viaduto Santa Tereza
A linda instalação da obra Entidades no CURA chamou muito a atenção do belorizontino e comigo não foi diferente. Passei pelas cobras gigantes algumas vezes durante a pandemia. Foi inclusive uma das inspirações para escrever mais sobre cidades. Obrigada, Jaider Esbell!
- Praça da Calmaria
E nas andanças descobri uma praça que me trouxe verde e calma estando em BH.
- Parquinho com minha sobrinha
Era dezembro e descobri que minha amiga passeava com a minha sobrinha de 2 anos toda quinta de manhã num parque lá na Pampulha. Pedi para começar meu turno de trabalho mais tarde e nesse dia, eu acordei cedo só para correr com Luiza no parque.
- Dancinha de fim de ano
A nossa festa de fim de ano foi pequena, mas não foi íntima. Eu e Juan fizemos o que há um tempo inventei: #dançandoporumacausa nos stories do Instagram. Uma prática que venho perdendo, mas que naquele dia era apenas para, ao mesmo tempo que pedir cuidados, também avisar sobre a chegada das vacinas. A gente só não esperava que fosse demorar tanto.
Sendo hoje meu aniversário, me sinto agora satisfeita de finalizar este texto que chega a ser doloroso de tão grande e de tantas memórias. Foram mais de 2400 palavras! Como sempre faço, tento colocar itens apenas otimistas, então aqui você viu as causas boas que me distanciaram de finalizar o texto ainda em 2020, mas não viu tanto perrengue, perda, angústia…. E, enfim, seguimos aqui! E, olha, acho que para 2021, não vou me cobrar um número tão redondo de nuncas! E nem uma data fixa.
Feliz de quem tá vivo e ainda pode praticar uns nuncas. Mas saudade também de praticar uns deja vu, tipo uma reunião de gente legal. Outro dia li uma frase que me marcou “prometo nunca mais partir antes do samba acabar”.
Feliz fim de pandemia para todos nós! Que ainda tenha felicidade para resistir.