O silêncio 

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Ontem meu avô pegou lugar no ônibus do lado de um francês. Ele queria muito conversar, mas o francês não falava português. Então meu avô me chamou para continuar o papo e fui lá me apresentar. Aproveitei para perguntar em qual cidade ele vivia na França, ao que ele sacou seu cartão de visitas e me disse que há 30 anos morava no Japão.

Uau, Japão, né… meu sonho é ir para Tokyo e entrar numa papelaria.

Só isso!

Minha conversa com ele começou por educação, mas ao falar do Japão, meus olhos brilharam. Foi outro dia que descobri que a partir dos seis anos de idade os japonesinhos aprendem a limpar tudo que sujam. No trabalho, são seres com incrível capacidade de concentração, organização e senso de utilização (minimalismo e qualidade total). Na arquitetura, desenvolveram as mais criativas formas de aproveitamento do espaço. No desenho, traços e formas que inspiraram o Impressionismo francês. É um povo que me atrai. Mas ao mesmo tempo, são pessoas que comem peixe vivo. Não há cultura perfeita. Uma realidade.

Contei que uma coisa que me intrigou nos japoneses que conheci foi a capacidade de fazerem silêncio. As conversas com eles eram seguidas de longos períodos de silêncio. Nós, na nossa cultura do « sem parar » temos horror ao silêncio. O silêncio é considerado constrangedor, errado, falta de assunto, falta de interesse, problema. Mas será que falar qualquer bobagem seria melhor que isso?

O colega de ônibus explicava sobre aquela cultura, « para o japonês o silêncio é uma reverência e uma arte ».

É tão elegante saber a hora de se conter, de dizer sem palavras, de responder com o silêncio. Tive a oportunidade de experimentar isso por vezes. Algumas delas diante de manifestações absurdas. Outras para grandes emoções. Outras para pequenas alegrias. Devo admitir que não domino essa técnica. Sou uma admiradora. Mas não domino. Por muitas vezes me pego contando casos sem graça apenas para evitar o silêncio.

“Repara bem no que não digo”, dizia Leminski. Seria tão mais fácil se a gente tivesse essa percepção melhor apurada.

Em 2013, depois de uma escalada com Alexis, nos vimos no cume de uma montanha numa ilha da Grécia. Sentamos no alto, vimos o céu, o mar, as árvores. O silêncio. Comentei que lá podíamos ouvir o silêncio. Dito isso, dois segundos depois meu telefone tocou. E no desespero de achar que era sobre o meu mestrado, tentei atender. Não consegui. Tentei ligar, não consegui. Tentei conseguir sinal, enviar mensagem. Matei, de forma irracional, aquele tesouro que havíamos acabado de encontrar. Passei a reparar que era quase impossível de perceber um silêncio assim novamente. Sempre há um som, mesmo que lá no fundo. Mesmo que vindo da geladeira, dos vizinhos. Sempre tem um som no ambiente.

Conheço mães de bebês dariam suas riquezas por um silêncio duradouro. Alguns escritores também. Penso que até médicos, advogados, dentistas. Com certeza dentistas! Precisamos equilibrar os trinados da vida com os respiros de sossego.

O silêncio total, no entanto, é uma mentira. Enquanto houver pensamento, o barulho será certo. O que precisamos, de fato, é de silêncio exterior, para ouvir, um pouco mais, o pulsar da nossa mente.

E não só de silêncio se fazem as sinfonias. O silêncio sem a esperança do som também não tem graça. Um dos meus maiores horrores é ficar perdida no Espaço Sideral, ou numa aula monótona.

O silêncio é bonito quando sabe sua hora. Na partitura de música ele recebe seus símbolos. Um deles tem carinhosamente o apelido de Zé Carioca, por lembrar um Z e um C unidos. Certa vez minha professora de piano elogiou uma interpretação. Foi um detalhe que aconteceu naquele dia. Enquanto eu tocava, antes do último acorde, fiz um silêncio maior.

Recomendo!

Isso também existe para a escrita e a fala. E como seria bom se eu pudesse usar com consciência. Ao invés de fazer meio sem querer como um dia no piano eu fiz. Na escrita, o silêncio curto pode vir na vírgula. O silêncio médio no ponto final. O maior na mudança de parágrafos. É preciso escrever muito para intuir esses momentos. E já deixo avisada uma coisa:

A palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro. É uma arte. Saber a hora.

De calar.

Sobre Didi

Brasileira, mineira, advogada, professora e ex-professora. Comunicóloga nas horas vagas. direitoelegal@gmail.com

Uma resposta »

  1. Diante de um texto tão bonito, fiquei em silêncio para melhor

    Digeri- lo. Mas agora o silêncio é trocado pelo grito de : Bravo!!!

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  2. Gostei quando você disse que o silêncio sem a expectativa do som não tem graça. Penso que os dois são importantes. No falar, a hora de calar. Falar com palavras que têm peso e não o falar por falar para ouvir a si mesmo. Ou o escrever mais para preencher folhas em branco do que para transmitir um conteúdo que seja útil aos demais.
    “Calando é como se aprende a ouvir, ouvindo é como se aprende a falar, e logo falando se aprende a calar.” Da Sabedoria Logosófica

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  3. Um amigo da faculdade uma vez me disse que ele descobria se tinha uma verdadeira relação de amizade com uma pessoa quando, ao estar sozinho com ela, os momentos de silencio não eram um incomodo para ambos. Comecei a observar as minhas relações de amizade e então percebi que, para mim, isto também faz sentido. E para você? 😉
    Adorei o texto. Obrigada por compartilha-lo.

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    • Acho que esse aspecto do silêncio funciona para descobrir sim sobre relações mais próximas. Mas relações corriqueiras ainda não sei medir! Não sei direito quanto de silêncio é permitido… as vezes ainda erro! 😉

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  4. Adorei saber que você foi em socorro do vovô, e daí como foi a conversa com o francês imagino como seu avô falou, falou e falou, pois silencio não é muito sua característica, depois você me conta de como terminou o encontro. Onde nasceu o francês… Depois você só falou do Japão e do silencio, fiquei curiosa para saber o final do encontro.

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  6. Hã imaginei, deve ter sido divertido ver seu avô em silencio…

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